Colapso Sanitário em Cuba: A Epidemia de "O Vírus" Transforma Cidades em Cenários de Zumbis
Em meio a escassez de alimentos, medicamentos e eletricidade, doenças transmitidas por mosquitos se alastram sem controle, mergulhando a população em um pesadelo sanitário. Reportagem especial investiga a crise que o governo tenta esconder.
(Havana, Cuba) – Ao anoitecer em Havana, um silvo sinistro toma conta do ar. Não é o som do vento, mas o zumbido coletivo de milhares de mosquitos que se levantam de águas paradas e lixo acumulado. É o prelúdio de mais uma noite de terror sanitário. Nas ruas escuras, por falta de eletricidade, vêem-se silhuetas cambaleantes, pessoas atormentadas por febres altíssimas, dores articulares incapacitantes e calafrios incontroláveis. “Parece uma cidade de zumbis”, descreve Ana López (nome alterado por segurança), uma professora de 45 anos do bairro de Centro Habana. “As pessoas andam devagar, com olhos vidrados, pele quente. Não sabem se é dengue, chikungunya ou o tal ‘vírus’. Só sabem que dói tudo, que não há remédio e que podem morrer em casa, esperando uma ambulância que nunca vem.”
Este cenário apocalíptico é a nova e aterradora realidade de Cuba em dezembro de 2025. A ilha, já estrangulada por uma crise econômica histórica, escassez generalizada e apagões diários, enfrenta agora o colapso total do seu outrora elogiado sistema de saúde. Uma epidemia explosiva de arboviroses – doenças transmitidas por mosquitos Aedes aegypti – varre o país, encontrando o ecossistema perfeito para sua propagação: uma população debilitada, infraestrutura urbana em ruínas e um Estado incapaz de responder.
O Colapso dos Pilares: Onde Tudo Começou
Para entender a epidemia, é preciso olhar para o colapso sistemático dos pilares que a conteriam.
A Crise de Saneamento Básico: Os apagões, que podem durar mais de 18 horas, paralisam os sistemas de bombeamento de água. A população é forçada a armazenar o líquido precário em qualquer recipiente – baldes, tambores, pneus velhos – que se transformam em criadouros ideais para mosquitos. O serviço de coleta de lixo é irregular, com montanhas de detritos acumulando-se em esquinas e terrenos baldios, gerando mais focos de infestação. “É uma tempestade perfeita”, explica um médico cubano que pede anonimato por medo de represálias. “O Estado não fornece água potável, então as pessoas a armazenam. O Estado não coleta o lixo, então os mosquitos se reproduzem. E o Estado não fornece inseticidas ou recursos para a campanha de fumigação, que era nossa principal arma.”
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| fonte da imagem: BBC |
O Desastre no Sistema de Saúde: Hospitais e policlínicas, antigos orgulhos da Revolução, são hoje cenários de desespero. Falta de tudo: analgésicos básicos como paracetamol, antitérmicos, soros para hidratação, testes diagnósticos rápidos para diferenciar as doenças. As salas de emergência estão superlotadas com pacientes deitados no chão, muitos acompanhados por familiares que precisam trazer seus próprios ventiladores (se houver energia) e até algodão. “Diagnosticamos clinicamente, pelo conjunto de sintomas. Mas sem confirmação laboratorial e com a co-circulação de vários vírus, é um caos”, confessa a médica. “A dengue hemorrágica se agrava rápido e, sem plasma ou condições de terapia intensiva, a mortalidade dispara.”
“O Vírus”: A Ameaça sem Nome que Paralisa a Nação
Nesse vácuo de informação oficial – onde o governo minimiza os números e evita declarar emergência epidemiológica – nasce a figura mais temida: “O Vírus”. Esse termo genérico, usado pela população, encapsula o pavor do desconhecido. É a suspeita de uma nova cepa mais agressiva de dengue, um surto incontrolável de chikungunya (que causa dores articulares crônicas debilitantes) ou até a reintrodução do zika. A desinformação corre mais rápido que os mosquitos, via mensagens de celular em raros momentos de conexão.
“O que mais assusta é não saber”, diz Carlos Manuel, um motorista de bicitáxi em Havana. “Você sente febre, uma dor nos ossos que não deixa você se levantar. Pode ser ‘só’ dengue, que já é grave. Mas pode ser ‘o vírus’, que dizem que deixa sequelas para sempre ou mata em três dias. E não tem ninguém para te dizer o que é.”
A estratégia governamental tem sido a do silêncio e da negação tática. Enquanto imagens de filas intermináveis em farmácias vazias e relatos de mortes circulam nas redes sociais, a mídia estatal fala em “aumento sazonal de casos de febréis” e exige “maior mobilização popular” para eliminar focos, transferindo a responsabilidade para uma população exausta e desprovida de recursos.
A Vida no Epicentro do Surto: Testemunhos do Inferno
Visitamos o município de Cerro, um dos epicentros da crise. Em um apartamento úmido e escuro, Yordanis, 38 anos, cuida da esposa e da filha de 12, ambas acamadas há uma semana. “Elas têm todas as dores. Febre que não cede com banho, porque não temos gelo. Vômito. Manchas na pele. Fomos à policlínica e nos deram um papel com recomendações: ‘beber líquidos’. Mas de onde? A água da torneira está suja, e comprar água mineral é quase impossível”, desabafa. A filha, com olhos fundos, parece uma fantasma. “Ela era cheia de vida. Agora parece uma zumbi, só dorme e chora de dor”, diz o pai, com a voz embargada.
A crise sanitária alimenta um mercado negro desumano. Um pacote de paracetamol pode custar o equivalente a um mês de salário. Soro caseiro é vendido em saquinhos plásticos. E repelentes, artigo de luxo, são trocados por comida. A fumaça de pneus e plásticos queimados para afastar os mosquitos paira sobre os bairros, um remédio desesperado e tóxico que agrava problemas respiratórios.
Uma Geração em Risco: O Futuro Doente
Especialistas ouvidos de forma off-the-record alertam para uma bomba-relógio de saúde pública. A alta incidência de chikungunya pode gerar uma onda de doentes com artralgias incapacitantes por meses ou anos, tornando-os incapazes de trabalhar em uma economia já paralisada. O possível retorno do zika traz o fantasma da microcefalia em bebês, um trauma que o país ainda não superou.
As crianças são as mais vulneráveis. Escolas fechadas por falta de água e luz, ou transformadas em centros de evacuação durante inundações, são também focos de proliferação. A desnutrição, que já afeta parte da população infantil, debilita o sistema imunológico, tornando os quadros de dengue potencialmente mais graves.
O Isolamento Internacional e a Busca por Soluções
A resposta internacional é limitada e politizada. O embargo dos Estados Unidos, citado pelo governo cubano como causa única de todos os males, dificulta a importação de insumos médicos e peças para equipamentos. No entanto, críticos apontam que a gestão catastrófica dos recursos, a priorização política e a falta de transparência do regime são fatores igualmente ou mais determinantes.
Algumas organizações não-governamentais e a Igreja Católica tentam distribuir cloro para tratar água e redes mosquiteiras doadas, mas a escala é insignificante perante a magnitude do desastre. A esperança de uma campanha de fumigação massiva e organizada esbarra na falta de combustível e inseticidas.
O Pesadelo que se Alimenta da Crise
Cuba vive um pesadelo sanitário em loop. A crise econômica gera a crise de infraestrutura (lixo, água, luz). A crise de infraestrutura gera a epidemia de mosquitos. A epidemia, combinada com a falta de medicamentos e o colapso hospitalar, gera mortes, pânico e paralisia social – aprofundando ainda mais a crise econômica.
Enquanto o governo não admitir a dimensão real da catástrofe e não permitir a entrada e distribuição transparente de ajuda humanitária internacional, o povo cubano continuará à mercê dos mosquitos e do medo. As ruas continuarão a ser palco daquela marcha lenta e dolorida de corpos febris. E o termo “cidade de zumbis”, cunhado no desespero do cidadão comum, permanecerá como a metáfora mais cruel e precisa de uma nação que, sob o sol do Caribe, definha em uma epidemia de abandono.
A noite cai sobre Havana. O zumbido retorna, mais forte. E, nas janelas escuras, acende-se aqui e ali a luz fraca de uma vela – símbolo da escuridão que envolve a ilha e da tenaz, porém frágil, resistência de seu povo. A batalha contra “O Vírus” é, acima de tudo, uma corrida contra o tempo e a negligência. E, por enquanto, os mosquitos estão ganhando.
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