Entre Ondas e Esperança: A Sobrevivência de Uma Menina no Canal da Sicília

 


Entre Ondas e Esperança: A Sobrevivência de Uma Menina no Canal da Sicília



fonte da imagem: O globo



A Última Viagem em Busca de Liberdade










Era uma tarde ensolarada quando deixamos a costa da minha Serra Leoa. Eu, uma menina de apenas 11 anos, fui envolvida em uma viagem que prometia a realização de sonhos e a busca de um futuro melhor. Após meses de espera e preparativos, embarquei em uma barcaça lotada, cheia de pessoas como eu — sonhadoras, esperançadas, mas também apavoradas. Naquela barcaça, éramos 45 almas unidas em um só desejo: chegar à Europa. Mal sabíamos que essa jornada nos levaria ao limite da sobrevivência.

Enquanto o barco começava a se afastar da costa, eu olhei para trás e me despedi da terra que conhecia. A imagem da praia, com suas ondas suaves e o sol se pondo ao longe, permanecia gravada em minha mente. Era um adeus cheio de esperança, mas também de ansiedade, uma mistura de sentimentos que eu mal conseguia compreender. O desejo de um futuro diferente nos uniu, mas essa união rapidamente seria testada por desafios inimagináveis.


Os primeiros dias no mar foram repletos de uma certa adrenalina. O canto das ondas parecia harmonioso, e as conversas entre os passageiros tornavam o ambiente animado. No entanto, conforme as horas passaram e as águas começaram a ficar mais agitadas, a tensão tomou conta de nós. A barcaça, já superlotada, começou a tremer, e os rostos que a princípio estavam sorridentes começaram a mostrar sinais de medo.

Era como se o céu estivesse nos avisando de que aquela aventura poderia rapidamente se transformar em um pesadelo. Na segunda noite, as nuvens escuras pairavam sobre nós. Um vento forte começou a soprar, e a água se tornava cada vez mais bravia. O pânico se espalhou quando, de repente, uma onda enorme atingiu o barco, fazendo-nos desabar em um mar de gritos e confusão.

Lembro-me de ter sido arremessada para o lado, meus olhos amaldiçoando aquele mar que antes parecia tão convidativo. Quando percebi, estava na água, lutando para manter a cabeça acima do nível. Agarrei-me a dois coletes salva-vidas, a única proteção que parecia existir em meio ao caos. Enquanto as vozes dos meus companheiros ecoavam pelo mar, sob o rugido do vento, eu sabia que a luta pela sobrevivência havia começado.

Solução Provisória em Um Mar Agitado

Após a barcaça naufragar, os dias se tornaram uma interminável luta. Eu flutuei nas águas geladas, agarrada aos coletes, com a esperança de que os socorristas chegariam a tempo. O tempo parecia se arrastar. As horas se transformaram em dias, e eu só pensava em como poderia encontrar outro sobrevivente, em como não queria morrer sozinha em um imenso oceano.


fonte da imagem: Euronews.com



As lembranças dos meus companheiros começaram a se apagar uma a uma, como se a água estivesse tomando suas histórias junto com suas vidas. O sol surgia e se punha, e com ele, a dor da solidão se intensificava. Meus pensamentos vagavam para minha mãe, para minha casa em Serra Leoa e para o futuro que sonhava. As correntes e ondas pareciam sussurrar em meus ouvidos, tanto promessas de esperança quanto ameaças de desespero.

O Milagre do Resgate

Foi então que, após três dias de solidão e apreensão, avistei um barco no horizonte. Um ponto de luz em meio à escuridão que consumia meu ser. Com o coração acelerado, comecei a gritar, mas minha voz era apenas um sussurro perdido na vastidão do mar. Entretanto, aqueles que estavam a bordo do Trotamar III me ouviram. Lembro-me vividamente do momento em que as mãos dos socorristas me puxaram para cima, aquele grupo de anjos que me resgatou da morte.

Os sentimentos que senti naquele instante eram indescritíveis. O alívio de estar a salvo misturou-se à dor do luto pelos meus companheiros de viagem. A água que antes me parecia uma túnica do luto agora se transformava em um símbolo de renascimento. As lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto os voluntários me cobriam com um cobertor. Eu finalmente estava segura, mas sentia que a dor de perder tantas vidas ainda estava dentro de mim.

A Realidade do Processo de Resgate

Assim que a realidade da minha sobrevivência começou a se instalar, percebi que tudo o que eu havia passado me moldou de maneiras que eu ainda não compreendia. Os socorristas da ONG Compass Collective estavam ao meu lado, oferecendo não apenas comida e água, mas também consolo. Enquanto tentavam me fazer sentir acolhida, eu sabia que havia uma nova batalha pela frente — descobrir o que fazer a seguir em meio às cicatrizes que o naufrágio deixou em minha alma.

A dor dos outros ainda ecoava em minha mente. O peso das histórias dos que não haviam sobrevivido era um fardo pesado de carregar. Como poderia eu, a única sobrevivente, encontrar um jeito de seguir em frente? O que eu diria para aqueles que esperavam notícias de seus entes queridos? Essas perguntas percutiam em minha cabeça como um tambor em um ritmo assustador.

Refazendo a Vida em Terras Estranhas

Chegar à terra firme foi apenas o primeiro passo. Agora, eu estava em um novo país, cercada por uma língua desconhecida e culturas que eu mal compreendia. O processo de adaptação foi desafiador, mas a equipe da ONG se empenhou em me ajudar. Era como se eu fosse um pássaro que, depois de um forte vendaval, finalmente encontrava repouso em um novo galho.

Durante as semanas seguintes, buscava entender minha nova realidade. Eu precisava de um novo nome, de um novo lugar para chamar de lar. O apoio emocional que recebi foi crucial. Sempre que compartilhava minha história, sentia que estava ajudando a manter viva a memória dos que não puderam contar a sua.

Uma Nova Esperança


fonte da imagem: Ansa Brasil



Hoje, minha vida não é como a imaginava antes da travessia, mas aqui estou eu, um testemunho das esperanças e dos desafios que milhares de jovens como eu enfrentam. A luta pela vida e pela dignidade é constante, e, a cada dia, reafirmo minha determinação de ser uma voz para aqueles que não têm a oportunidade de falar.

O meu desejo agora é usar minha história para conscientizar o mundo sobre a realidade das migrações forçadas. Os rostos que deixei para trás merecem ser lembrados, e a dor que carregamos, quando compartilhada, pode, de alguma forma, se transformar em força e esperança.

A travessia pelo Canal da Sicília é mais do que uma história de sobrevivência. É um lembrete de que, mesmo nas circunstâncias mais sombrias, nossa vontade de viver e de lutar pelo que é certo é uma luz que não pode se apagar. Todos nós merecemos a chance de encontrar um lar, de viver livres de medo e dor. A jornada de uma menina de 11 anos perdida no mar agora é a luta de uma jovem disposta a fazer a diferença.

Escolhi viver, não apenas para mim, mas em homenagem a todos aqueles que, como eu, sonhavam com um futuro melhor, mesmo quando a tempestade ameaçava nos engolir. E enquanto existirem aqueles que ainda lutam, eu continuarei minha caminhada em busca de justiça e esperança.



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